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Não se incomode se você incomoda

  • Claudina Damasceno Ozório e Shenia Karlsson
  • 20 de dez. de 2017
  • 5 min de leitura

A presença dos negros nos diversos espaços (acadêmico, da elite, mídia etc) denuncia o racismo institucionalizado e instituído há séculos na sociedade. Os lugares bem demarcados são lugares de conforto que mantém a estrutura social. Quando nós negros ocupamos os espaços, nós tiramos o sistema “bem sucedido” até então, da sua zona de conforto. Obrigamos os sujeitos a repensarem suas posturas, suas práticas e também suas crenças que são culturais e sociais. A estrutura se abala e as certezas que possuíam até então se tornam incertas e as pessoas de cor exigem desconstrução dos rótulos carimbados ao longo das gerações, por vezes toram-se ameaça.


Há uma conivência histórica relacionada à inferioridade do povo negro, que durante a sua construção, sua história foi distorcida, diminuída e dissipada em prol da manutenção das relações de poder. A abolição da escravatura e a exportação de mão de obra europeia, com o discurso de que não havia mão de obra qualificada é um bom argumento que justifica a “crença” na incapacidade do povo negro de aprender, implicitamente (ou não) havia o receio de que esse povo se emancipasse intelectualmente, profissionalmente e economicamente (qualquer semelhança não é mera coincidência). Sem falar da necessidade de clarear a raça, branquear o país, mas essa é outra discussão, que falaremos em breve.


Ainda nos dias atuais nos deparamos com resistência à mudança de paradigma e a tendência a nos jogar para fora, como um incômodo. A visibilidade que possui a beleza negra e a necessidade de ajusta-la ao padrão branco denuncia o incômodo que as pessoas de cor causam nos espaços que ocupam. Nesse sentindo, podemos falar da mulher negra com seus cabelos “naturais”, ressaltando seu rosto e brilho que possui a sua pele. Ela chama atenção e tira a atenção por onde passa. Certa vez, uma amiga disse que contratar modelos negras dificulta a exposição das roupas, porque as mulheres precisam ser cabides e a pele negra se destaca. Faz sentido quando não se quer refletir, mas quando pensamos bem ... Quantas vezes nos deparamos com questionamentos em relação ao nosso cabelo? A forma como usamos o cabelo diz muita coisa sobre nós: estiloso, estranho, esquisito, inadequado, lindo, maneiro e... por aí vai. Certa vez, assisti uma propaganda na TV que dizia assim: “Cabelo, cabelo meu, retrato fiel de quem sou eu”. Sim, a empresa que produziu tal vídeo tinha razão. Quando entramos em um estabelecimento, o cabelo chega primeiro. Se ele está arrumado ou desarrumado, todos vão perceber, ainda que nada digam. Quando se trata da estética negra então? Os comentários sempre rolam, seja pra dizer: Ual! Que cabelo maneiro! Ou pra dizer: “Porque você não alisa?” Ou “Você deveria botar uns cachos, iria ficar lindo em você”. Já ouvi coisas do tipo: “Como você fez para o seu cabelo ficar assim (armado/ pra cima)?”. Nesses momentos, contamos com a resiliência, paciência e delicadeza, pois o exercício destas desconcerta.


Essas situações me trouxeram uma reflexão sobre o processo histórico e assim, caro (a) leitor (a), convido-o (a) a refletir sobre os diversos momentos em que se deparou com esses tipos de situações, e especialmente, sobre a forma como respondeu a elas. Empoderamento é um processo que exige também muita “artimanha” subjetiva e amor. Ocupar espaços está para além da estética. Aceitação e autorização da sua existência, dentro do seu corpo como ele é, pode ser um passo importante e complementar nesse processo de construção do existir, ainda que isso cause incômodo no outro.


Somos filhos de uma nação hipócrita, hierárquica e competitiva. A desqualificação do outro serve muito bem ao sistema de privilégios que se mantém sem muito esforço e trabalho. As facilidades que uns possuem, não são democráticas. A entrada de pessoas negras bem sucedidas nesse sistema pode ser uma ameaça a essa farsa, que se mantém ao longo dos séculos. A presença de um negro nos espaços (acadêmico, executivo, midiático, etc) não é simplesmente de um negro, tem muita história e precisamos reconhecer isso. Assumir nosso lugar e ocupar os espaços pode ser importante para a mudança que almejamos, porém precisamos entrar em sintonia com a nossa história no contexto social. A naturalização das situações de desrespeito e manutenção dos privilégios, por vezes, permite que muitas pessoas nos sabotem o tempo todo, sem nenhum tipo de crítica ou censura.


Quebrar com essa lógica exige autoconhecimento e conhecimento histórico também. Nesse ponto, menciono o artigo sobre a série “Dear white people”, na revista woomagazine, da escritora Carmen Filgueiras que diz o seguinte “os discursos e práticas são construídos a partir de alianças entre as diferentes correntes sociais. No entanto, quanto menos consciente for o grupo acerca das relações de poder estabelecidas, menor será a sua chance de negociar presença na criação dos valores daquela sociedade”. Além disso, há uma cobrança sobre o negro para a mudança de


postura, porém há uma conivência social para a manutenção da hierarquia e da lógica opressora com discurso de generosidade e respeito à diversidade, incoerente com a postura e atitudes de algumas pessoas que possuem privilégios e não se reconhecem como privilegiadas, vendendo o discurso de meritocracia.


Geralmente, quem tem poder e privilégio e já nasce nessas condições, dificilmente reconhecerá sua parcela de responsabilidade nas “desgraças” sociais, especialmente dos negros que são maioria em situação de miséria. Reconhecer o recorte histórico de desigualdade social, com recorte racial no Brasil pode ser o primeiro passo para a mudança de mentalidade e um prólogo para a mudança de comportamento. E essa é uma questão de todos. Assim, Preta, conheça a história do país, mas também preste atenção nas relações sociais e raciais que a constitui. Conheça a sua história e a sua ancestralidade. Assuma-se e não se incomode se você incomoda!




Claudina Damasceno Ozório é Psicóloga Clínica. Atende em consultório particular. É uma das idealizadoras do Projeto PapoPreta. Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio. Pós-graduanda em gênero, sexualidade e direitos humanos da FIOCRUZ. Cursando Psicologia e Relações Raciais no Instituto AMMA Psique e Negritude de São Paulo. Membro do grupo de pesquisa “Corporalidade” (sendo uma das temáticas o estudo da representatividade social e cabelo étnico) no Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio. Participou do grupo de pesquisa em “Família e Casal na contemporaneidade” no Departamento de Psicologia da PUC-Rio. Psicóloga no projeto social Psicologia & Vida – Tijuca. Psicóloga na ONG Rede Postinho de Saúde Preventiva da Mulher na comunidade do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. Membro do grupo "Psicólogos do Bem" da ABRAFH (Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas). Foi acadêmico-bolsista em Saúde Mental da Prefeitura Municipal do Rio de janeiro no CAPS Rubens Correa de Irajá/ RJ. Trabalhou como Terapeuta de Família, Casal e grupos no Setor de Dependência Química e Comportamental na Santa Casa de Misericórdia/ RJ - cdozorio@gmail.com / claudina.ozorio@fiocruz.br


Shenia Karlsson é Psicóloga Clínica, Pós Graduada pela Puc-Rio, Terapeuta Sistêmica de Família, Terapeuta de casal, Terapia de casais homoafetivos, Psicóloga Social e de grupos, Psicóloga na ONG Rede Postinho de Saúde Preventiva da Mulher. Trabalhou como Psicóloga na Casa Francisco de Assis, atendendo famílias da creche social Santa Clara. Membro participante do Laboratório de Experiências Feministas Negras: Das

vidas às Teorias na Ong Casa das Pretas. Psicóloga e Pesquisadora na Prefeitura do Rio de Janeiro - Colônia Juliano Moreira no programa de Moradias Terapêuticas. criskarlsson@gmail.com


Referências

http://woomagazine.com.br/dear-white-

people-e-vozes-negras/

 
 
 

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