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A negação da existência real, afetiva e simbólica de uma mulher negra.

  • Foto do escritor: Shenia Karlsson
    Shenia Karlsson
  • 18 de mar. de 2018
  • 8 min de leitura

Caro (a) leitor (a),


Este texto tem como objetivo despertar uma reflexão acerca da condição irrevogável da mulher negra na sociedade brasileira como “o objeto desprovido de afeto”. Hoje faz 1 ano que tivemos enfiado “goela abaixo”’ o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, eleita em 2016 por 46.500 pessoas, obteve uma repercussão a nível internacional, isso porque obviamente o simbolismo dessa tragédia contém nela um conjunto de discussões de alta relevância a respeito de nossa sociedade e de nossas construções. Ela era cria da Maré, feminista, lésbica, defensora dos direitos humanos (de todo e qualquer ser humano, importante ressaltar).


Presenciamos uma multidão levantar-se e ocupar as ruas do Rio de Janeiro (como poucas vezes testemunhamos, também estávamos lá) para protestar e indignar-se contra essa atrocidade, que tem proporções inegáveis, de um prejuízo social com sentidos óbvios, porém parece ter incomodado bastante, determinado seguimento da sociedade. Esse eco ou pedido de socorro espalhou-se rapidamente para outros estados e várias cidades do mundo. Autoridades internacionais envolveram-se e cobraram uma atitude por parte do Governo Brasileiro, ameaçando aplicar sanções ao país. O mundo se chocou. Atualmente, Marielle segue homenageada não só no Brasil mas pelo mundo afora, ao contrário do que esperavam, o efeito foi contrário, sua luta ainda inspira e fortalece nós mulheres negras .


Mas, por que tanto barulho por causa dessa negra lésbica? Ela defendia bandido! Ela foi mulher de traficante! Mas e os outros mortos? Ela é melhor do que quem? Estão acusando a polícia sem provas! E os policiais mortos?

Podemos avaliar de muitas formas o sistema político e perceber a insurgência de vários sentimentos, no entanto iremos focar somente em um sistema político e em um sentimento, que consideramos relevantes a esta discussão: o racismo e a inveja.


Aff!!! Agora tudo também é racismo, neh? Sim. É! Em nossas construções sociais permeadas pela lógica do colonialismo, o racismo, como um sistema político fundado sobre o direito de uma raça (considerada pura e superior) de dominar outras (consideradas inferiores), foi naturalizado, dificultando emergir outras experiências possíveis.


Chegamos a pensar sobre a insistência social em manter a mulher negra no mesmo lugar: como um corpo-objeto desprovido de investimento afetivo, um corpo-invisível que não pode ter destaque. Uma mente que constrói, mas tem suas construções destruídas e/ou questionadas. Um corpo que não pode receber cuidado, reconhecimento ou amor, e SIM, mesmo depois de morto!


A autora americana bell hooks (1995) em seu texto “Vivendo de amor” discorre sobre a problemática que a mulher negra enfrenta em sociedades que lhe negam o direito de serem amadas, um sujeito digno de receber amor, afeto e cuidado. A tríplice “mulher negra para trabalho pesado”, “a mulata para fornicar” e a “mulher branca para casar” permanece com força em nossas dialéticas. A comoção foi entendida como uma expressão de afeto. Afeto esse direcionado a uma mulher negra e isso parece não ser permitido. NUNCA! Uma parte significativa da sociedade chora, lamenta e está em choque com a morte brutal de uma mulher negra. E isso tem muito simbolismo. São emoções, são afetos e empatia direcionados a um corpo negro, de mulher negra. A escritora e ativista americana Ângela Davis (2015), em seu livro Mulheres, Raça e Classe, discute sobre a condição da mulher negra no mundo e as heranças que a escravidão lhes foi dada.

A mulher escrava era antes de tudo uma trabalhadora em

tempo integral e ocasionalmente esposa, mãe e dona de casa....enquanto mulheres brancas eram esposas amáveis

para seus maridos, mulheres negras eram anomalias.

Anomalias! (p.17-18)


Essa herança está viva no imaginário social e quando a mulher negra muda seu status quo, ou seja, deixa de ser mais uma na comunidade ou apenas uma força de trabalho e rompe com a linha imaginária não sendo a tal “anomalia”, parece causar algum tipo de perturbação. A mulher ao participar ativamente da política, ocupar um lugar de poder e destaque na sociedade, já que a política é um lugar de poder, aprende a se defender melhor. Passa a ter mais conhecimento e a produzi-lo também.


Tais poderes são reservados ao homem branco (social, cultural e politicamente falando). Logo, essas habilidades são direcionadas a um corpo específico, tendo a autorização, consciente e inconsciente, do meio social. Imagina esses poderes em um corpo marcado para ser sombra, o de uma mulher. Agora, imagina se esse corpo é um corpo de mulher, negra, lésbica, periférica etc. Um corpo socialmente (consciente e inconsciente) desviante da norma, inserido em um lugar específico na hierarquia de um sistema político, social e cultural.


O presente exposto nos faz pensar sobre um sentimento, que consideramos não menos importante, que está contido (subjetivamente) no racismo, especificamente nas atitudes da pessoa racista, a INVEJA. Este é um dos sentimentos que faz parte das emoções do ser humano e se encontra especialmente no querer ter o que o outro tem, mesmo sabendo não ter feito nada para merecê-lo. Segundo Solomon (2015), a chave para a inveja é que nada tenho parecido com um direito ou uma reivindicação à posse, ou talento, ou honra em questão. Nem há muito que eu possa fazer a respeito ... É querer desesperadamente aquilo que não se merece de jeito algum e que não se pode ter (p. 171).


Ou seja, as características inatas do sujeito (coragem, capacidade de ação, resiliência, crescimento pessoal, beleza, força, inteligência etc) é que é fonte de inveja e a isso incluem os afetos e reconhecimento que esse sujeito recebe. Dessa forma, acreditamos que tornar o corpo negro “visível” e “reconhecido” pode ser algo ameaçador, ainda mais se por ventura esse corpo - que por lógica deveria ser “defeituoso” e desviante - coloca-se como “virtuoso”, sendo validado socialmente como tal. Características geralmente almejadas por todos. Arriscamos dizer que, as características de um sujeito de “reputação ilibada” parecem não condizer com um corpo negro. Não é mesmo?!


Um aspecto interessante do racismo é o mecanismo de projeção que se dá quando todas as características negativas do ser humano (inclusive do ser branco) são depositadas no ser negro. O que sugere ser um pacto possível de sobrevivência, pois lidar com a própria perversidade e falta de humanidade é um fardo pesado (especialmente para as pessoas brancas, ou que acreditam ser parte desse grupo, que talvez apresentem mais essa dificuldade, pela herança católica que permeou o colonialismo), assim desloca-se ao “outro” esse conjunto de características negativas. Como se o lugar negativo fosse feito para o corpo/ sujeito negro, podendo este ser um objeto de suas projeções.


Entretanto, quando o negro eventualmente destaca-se com características positivas em sua totalidade, possui virtudes inegáveis, conhecimento, demonstra veracidade através de sua vivência digna e é um sujeito bom (pois, no imaginário social, negro é ou deveria ser ruim), põe em risco o pacto inconsciente do social, provocando assim uma desestabilização social. As “supostas” verdades são questionadas. E com isso, as práticas racistas se atualizam...


Como exemplo disso surgem os ataques, assédio moral e demonstrações de ódio configurados por um desespero de manter os lugares sociais a fim de restaurar a homeostase, a ordem perversa baseada no racismo. Talvez seja insuportável, para alguns ou muitos sujeitos, ver uma mulher negra prosperar. Lembramos aqui, da Juíza Patrícia Accioli assassinada em 2001, por policiais militares, na região de Niterói, foram 21 tiros. Pois bem, foi um acontecimento terrível, uma comoção social instalou-se, porém nesse caso, a sociedade reconheceu como legítima sua ação e denúncias contra corrupção policial.


Temos dois exemplos, duas mulheres totalmente comprometidas com seu ofício, mas podem adivinhar qual delas foi transformada em bandida? E qual foi a heroína? A juíza Patrícia Accioli teve sua imagem atacada ou denegrida? Afinal, qual lugar a mulher branca detém no imaginário social? E a mulher negra? Sintam-se a vontade para verificar a reação nas redes sociais e tirem as conclusões de vocês. Como disse Franz Fanon em seu livro ‘Pele negra e máscaras brancas’ “o branco está encerrado em sua brancura”.


Marielle Franco denunciava um sistema político, social e cultural, colocando em cheque questões muito mais profundas e inconscientes que habitam a nossa sociedade desde tempos muito remotos. Ela era a representação das políticas públicas, sendo resultado do que os “donos do poder” não validam ou querem por perto; do que a sociedade racista não suporta com seu racismo encubado e promotor de doenças diversas. A sua morte é mais do que um ataque à democracia, é um ataque a todas as minorias, pois ela era a representação real e simbólica da sociedade brasileira em sua base. Ela representava a força da moçada que vai a luta e quando chega provoca mudanças. Ela mexia nas estruturas sociais. Ela era uma afronta social e ainda é.


Talvez aí, ela seja fonte de admiração para muitos, mas também de inveja para muitos outros. Aí se encontra os dois pontos mencionados no início desse texto, o racismo como sistema político e a inveja como um sentimento humano. Juntos podem ser destrutivos e causar grandes estragos.


Assim, acreditamos que as iniquidades produzidas pelo racismo nas relações sociais são profundas e violentas, trazendo prejuízos para todos nós. O aumento das intolerâncias no mundo tem sido evidentes, contudo é de suma importância resistir e combater essas iniquidades sociais.

Como bem dito no poema de um irmão português, Carlos Graça:


Mesmo quando descobriste, que para nós não estava a ser fácil,

e mesmo depois de tantas perdas e derrotas, a gente resiste,

por mais que as vozes que ecoam gritem “DESISTE”.


Dedicamos esse texto à memória da vida e atuação - breve, porém importantíssima - de MARIELLE FRANCO, que a nossa irmã descanse com a paz e a proteção de nossos ancestrais. Que seja fonte de força para que possamos seguir. Então ... Sigamos mais fortes pois nossos passos vem de longe!


Por:

Shenia Karlsson

Co- Fundadora do Papo Preta- Saúde e Bem Estar da Mulher Negra, Diretora do Departamento de Sororidade e Entreajuda do INMUNE- Instituto da Mulher Negra de Portugal, Psicologia Clínica, Mestranda em Estudos Africanos na Universidade de Lisboa, Pós Graduada pela Puc-Rio, Terapeuta Sistêmica de Família, Terapeuta de casal, Terapia de casais homoafetivos, Psicóloga Social e de grupos, Foi Psicóloga na ONG Rede Postinho de Saúde Preventiva da Mulher. Trabalhou como Psicóloga na Casa Francisco de Assis, atendendo famílias da creche social Santa Clara. Membro participante do Laboratório de Experiências Feministas Negras na Ong Casa das Pretas. Psicóloga e Pesquisadora na Prefeitura do Rio de Janeiro - Colônia Juliano Moreira no programa de Moradias Terapêuticas. criskarlsson@gmail.com

Claudina Damasceno Ozório

Co- Fundadora do Papo Preta- Saúde e Bem Estar da Mulher Negra, Psicóloga Clínica. Atende em consultório particular. É uma das coordenadoras do PapoPreta: Saúde e bem estar da mulher negra. Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio. Especialista em gênero, sexualidade e direitos humanos pela FIOCRUZ. Cursou Psicologia e Relações Raciais no Instituto AMMA Psique e Negritude de São Paulo. Membro do grupo de pesquisa “Corporalidade” (sendo uma das temáticas o estudo da representatividade social e cabelo étnico) no Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio. Participou do grupo de pesquisa em “Família e Casal na contemporaneidade” no Departamento de Psicologia da PUC-Rio. Diretora Administrativa da ABRAFH (Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas). , Foi Psicóloga na ONG Rede Postinho de Saúde Preventiva da Mulher. Foi Terapeuta de Família, casal e grupos no setor de Dependências Químicas e Comportamentais na Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Foi Terapeuta Externo na Clínica Clif Mente e Saúde em Botafogo. cdozorio@gmail.com / claudina.ozorio@fiocruz.br


Bibliografias

DAVIS, A.Mulheres, raça e classe. 2001, São Paulo: Boitempo

FANON, Frantz.Pele Negra e Máscaras Brancas.2017,Lisboa:Letra Livre.

GRAÇA,Carlos. Djidiu, A Herança do ouvido.2017,Lisboa:Vada escrevi.

HOOKS, B. Intelectuais Negras. Revista Estudos Feministas, V.3, nº 2, 1995, p. 454-478. _____. Vivendo de amor. In: Geledes, 2010, s/p. Disponível em: http://arquivo.geledes.org.br/areas-de-atuacao/questoes-de-genero/180-artigos-degenero/4799-vivendo-de-amor

Solomon, R. C. (2015). Fiéis às nossas emoções: o que elas realmente nos dizem. Rio de Janeiro: Civilização brasileira. Tradução: Miriam Raja Gabaglia de Pontes Medeiros.



 
 
 

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